top of page
Buscar
  • Foto do escritorCarolina Gomes Domingues

Medidas Protetivas de Urgência: natureza jurídica cível ou criminal?

Atualizado: 18 de ago. de 2021


Na esteira das disposições internacionais voltadas à prevenção e erradicação da violência sexista, a Lei Maria da Penha (LMP) pretende, com o instituto das medidas protetivas de urgência, proteger as mulheres por meio de mecanismos que extrapolam o campo da punição penal dos agressores. É neste sentido que, por exemplo, a lei define formas de violência doméstica que nem sempre correspondem às categorias tuteladas pelo direito penal. Em outras palavras, a LMP e o instituto das medidas protetivas operam considerando a distinção entre violência e crime, sendo o campo conceitual daquela muito mais amplo que o dos delitos definidos em lei.

As medidas protetivas criadas pela Lei Maria da Penha asseguram às mulheres sua autonomia na condução do processo de ruptura com o ciclo de violência em que se encontram inseridas, na medida em que estabelecem como requisito para sua concessão apenas a narrativa da violência sofrida. Nesse sentido, a LMP não só autoriza, mas frisa, de forma expressa, a possibilidade de concessão de medidas protetivas informada por uma cognição sumária dos fatos. É o que dispõe o art. 19, § 1º, da Lei 11.340/2006:

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. § 1º. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.


Assim, a engenharia de proteção desenhada pela LMP vai muito além das medidas de caráter penal. Configura-se um regime especial de urgência para a concessão de medidas protetivas às mulheres, independente da jurisdição penal, em cujo centro figura a narrativa da mulher acerca do histórico de violências sofridas. O instituto das medidas protetivas de urgência criou a possibilidade de concessão de uma tutela cível satisfativa para a proteção da vida e da integridade física, emocional e psicológica da mulher vítima de violência doméstica, e é uma das maiores conquistas da Lei 11.340/2006, como afirma a jurista Maria Berenice Dias, em seu livro A Lei Maria da Penha na Justiça:


"O instituto das medidas protetivas de urgência é a maior conquista da Lei Maria da Penha. Sua importância reside na eficácia protetiva decorrente de seu caráter plástico, de sua capacidade de melhor adequar-se a cada caso. (...) O deletério e nefasto encarceramento do agressor não possui a plasticidade e desenvoltura processuais de que gozam as Medidas Protetivas de Urgência, inclusive no que diz respeito à manutenção da incolumidade física e psíquica da ofendida, das testemunhas e de seus familiares".


As formas de violência elencadas pela LMP deixam evidente a ausência de conteúdo exclusivamente criminal no agir do agressor. As hipóteses previstas no art. 7º da lei mostram que nem todas as ações que configuram violência doméstica correspondem a delitos previstos pelo Código Penal. Assim, a legislação concede proteção às mulheres inclusive nos casos em que a violência sofrida não configure uma conduta criminosa; e, mesmo nos casos em que a violência corresponde a uma conduta tipificada pelo Código Penal, o direito de requisitar proteção não está vinculado, necessariamente, à criminalização dos agressores. Ainda nas palavras de Maria Berenice: "Este é o verdadeiro alcance da Lei Maria da Penha. Conceitua a violência doméstica divorciada da prática delitiva".


A importância das Medidas Protetivas de Urgência previstas na Lei Maria da Penha é tamanha que a norma permite que a própria ofendida pleiteie tais medidas sem intermédio de assistência jurídica, conforme dispõem seus artigos 19 e 27. Estas disposições buscam simplificar e assegurar celeridade e efetividade ao procedimento de concessão das medidas protetivas, de acordo com sua própria razão de ser, qual seja, prevenir a ocorrência da violência ou evitar que novo episódio se suceda. Não há, portanto, necessidade de qualquer tipo de crivo ou autorização técnica, nem de advogado ou defensor, nem de delegado, psicólogo ou assistente social para que o pedido seja formulado e concedido.


A elaboração do pedido depende somente da iniciativa da própria ofendida no sentido de expor a violência a que vem sendo submetida e solicitar proteção ao poder judiciário, uma vez que ela é a única capaz de dimensionar os riscos e os sofrimentos a que está submetida. Aponta neste sentido importante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em entendimento firmado em 2014 por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.419.421 – GO:


"As medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006 podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza de cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal".


A figura jurídica das medidas protetivas de urgência, assim, traduz uma prerrogativa processual de gênero que tem por objetivo declarado prevenir a ocorrência ou a reiteração de episódios de violência contra as mulheres, os quais muitas vezes terminam em feminicídio. Uma vez que o objetivo é o de garantir a sobrevivência das mulheres nos mais distintos contextos de violência doméstica, tutelando seu valioso direito fundamental à vida, as medidas protetivas de urgência tem natureza autônoma e satisfativa. Devem ser concedidas sem quaisquer exigências relativas à registro de boletim de ocorrência ou instauração de processo criminal.

11 visualizações0 comentário

Opmerkingen


bottom of page