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  • Foto do escritorCarolina Gomes Domingues

Lei Maria da Penha: aspectos preventivos e punitivos

Atualizado: 19 de ago. de 2021


A Lei Maria da Penha é reconhecida como um marco no processo histórico de construção e reconhecimento, no Brasil, dos direitos das mulheres como direitos humanos. Fruto da articulação dos movimentos feministas ao longo da década de 1990, ela insere a garantia de direitos e de acesso à justiça para mulheres em situação de violência doméstica e familiar no marco de duas convenções internacionais de proteção aos Direitos Humanos das mulheres, a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (na sigla em inglês, CEDAW, de 1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará, de 1994).



A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) é aclamada pela Organização das Nações Unidas como uma das leis mais avançadas no enfrentamento da violência contra as mulheres no mundo. Seu texto procura desenhar mecanismos de prevenção e punição da violência doméstica em um marco amplo, que extrapola os limites do poder judiciário e define uma série de políticas no campo da proteção social, sobretudo vinculadas ao Sistema Universal de Assistência Social, o SUAS.


Em seu artigo 1º, a Lei fala em "mecanismos para coibir e prevenir" a violência doméstica e familiar contra a mulher. Faz, assim, uma aposta na capacidade de investimento do poder público para a criação de uma série de serviços especializados no atendimento de vítimas, tais como Centros de Referência da Mulher e Casas Abrigo. No que diz respeito à prevenção, a Lei Maria da Penha (LMP) cria também a figura jurídica das medidas protetivas de urgência – sendo as mais conhecidas as que proíbem aproximação e contato, bem como a de afastamento do agressor do lar.


Quanto aos mecanismos de punição, a estratégia adotada pela LMP foi a de estabelecer, em seu art. 41, que nenhum tipo de violência doméstica contra a mulher pode ser interpretado pelo poder judiciário como um "crime de menor potencial ofensivo". Até então, o critério utilizado pela legislação para classificar os crimes de menor potencial lesivo considerava apenas a quantidade de pena máxima atribuída para cada tipo penal. Assim, todos os crimes cuja pena máxima fosse igual ou inferior a dois anos de detenção eram considerados violações de menor potencial ofensivo.


Para esta categoria de crimes, a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95) estabelece uma série de penalizações alternativas e mecanismos de suspensão do processo, tais como a conciliação e a transação penal, institutos que deram origem ao que ficou conhecido como punição por meio de "pagamento de cesta básica". No contexto da violência doméstica são comuns as condutas que, a princípio, se enquadrariam na categoria dos crimes de menor potencial ofensivo: os crimes de ameaça e de lesão corporal, por exemplo, tem penas máximas inferiores a dois anos. Por esta razão tornou-se comum a banalização do sentido da resposta oferecida pelo poder público para os casos de violência doméstica, uma vez que em inúmeros casos os agressores eram punidos com a “pena de cesta básica”.


Promulgada em 2006, a LMP afastou a aplicação dos institutos da Lei 9.099/95 aos crimes cometidos em contexto de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Com esta mudança, a LMP definiu que quaisquer agressões praticadas em contexto de coabitação, relações familiares e/ou relações íntimas de afeto contra uma mulher devem ser processadas e julgadas de acordo com as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal. Apesar de ter sido bastante celebrada, esta mudança procedimental não resolveu os debates acerca da insuficiência das respostas oferecidas pelo poder judiciário.


Os quinze anos de vigência da Lei Maria da Penha autorizam a análise crítica de seus modos de funcionamento e resultados, a partir do conjunto de pesquisas que vem sendo elaboradas desde sua promulgação. Os dados a respeito do número de feminicídios - os quais apontam que, entre 2003 e 2013, o número de homicídios de mulheres negras cresceu 54,2%, enquanto o de mulheres brancas diminuiu 9,8% - nos permitem elaborar algumas indagações: a LMP tem servido, sobretudo, à proteção de mulheres brancas? Quais são os limites do enfrentamento à violência machista centrado em leis e estratégias jurídicas? Pode o poder judiciário oferecer proteção às mulheres racializadas e trabalhadoras?

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